"Iniciei o magistério nos primeiros anos da década de 1970, como professor de Literatura do Ensino Médio, antigo Segundo Grau, durante a vigência da LDB 5.692/71, que a dividia em Língua e Literatura (com ênfase na Literatura Brasileira), época marcada por uma concepção tecnicista de ensino. Devo dizer que vivenciei várias fases do ensino de Literatura, tanto em escolas públicas quanto em estabelecimentos privados.
As aulas eram sempre expositivas, com apoio limitado de recursos: apenas o quadro de giz e o manual didático, que por sinal ainda hoje circula na escola. Geraldo Matos, Audemaro Taranto, Douglas Tufano são nomes de autores desses manuais com os quais trabalhei em sala de aula. Esses livros não eram tão atrativos quanto os de hoje. Mesmo porque há uma maior diversidade de autores e de reedições, embora o modo de apresentar a literatura e de conceber o seu ensino não tenham sofrido grandes alterações. Hélder Pinheiro destaca dois modelos de livros didáticos de literatura: “os livros de coleções voltadas para os três anos do ensino médio e os de volume único, que nalguns casos, é uma junção dos três volumes das coleções. Esses modelos são, quase sempre, de língua e literatura e, em muitos deles, a literatura é a menor parte.” Há algum tempo esses livros vêm reservando um bom espaço para exercícios de vestibular.
Atuei também nos chamados cursinhos pré-vestibulares, que surgiram na época do desmonte definitivo da escola pública de qualidade, iniciado no período da ditadura militar e consolidado pelos últimos governos democráticos. Os cursinhos eram instituições de reforço, procuradas em geral pela elite de maior poder aquisitivo. Não estavam comprometidos com um ensino que privilegiasse a construção de conhecimentos competências e habilidades, embora tivessem a capacidade de aprovar no vestibular um maior número de alunos do que as escolas tradicionais. Todo o material didático era produzido e preparado pelos professores, preocupados em ministrar o conteúdo de três anos em um só. Isso para não falar nos intensivões com seus simulados e corujões, que adentravam as altas madrugadas. Surgem nessa época as apostilas mimeografadas e os resumos de obras literárias, institucionalizados nas melhores escolas do país. Aos poucos os cursinhos foram desaparecendo, dando lugar aos terceirões das grandes escolas, que atualmente utilizam os mesmos procedimentos didáticos desses cursinhos, quando propõem fazer a revisão de todo o conteúdo ministrado nas séries anteriores.
Constato que, durante todos esses anos, o ensino de literatura em quase nada se modificou. Um simples exemplo comprova o que afirmamos: na primeira série do ensino médio, o conteúdo da disciplina continua voltado para alguns conceitos básicos de teoria da comunicação com rudimentos de teoria literária, como requisitos para a interpretação de textos. Os conceitos mais trabalhados são as características da linguagem literária em relação à não literária, estudo dos gêneros, versificação, formas e fôrmas literárias e iniciação aos estilos de época, com uma introdução superficial á Literatura Portuguesa, para situar o classicismo no Brasil. Os fragmentos de textos são os mesmos, recorrentes em praticamente todas as reedições de livros didáticos. No segundo ano empreende-se o estudo do Romantismo, Realismo e Simbolismo. Pré-Modernismo e Modernismo ficam para o terceiro ano, que por sinal não dá conta desse conteúdo, dado o volume de informações sobre o assunto. No 3º ano do Ensino Médio nos deparamos com o seguinte quadro: vemos um aluno desmotivado, preocupado com o vestibular, e um professor ansioso por ministrar um vasto conteúdo programático, além de ter que intercalar aulas com a leitura das obras que constam nas listas do vestibular.
A propósito, William Cereja, na obra Ensino de Literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com literatura, São Paulo, Atual Editora, 2005, divulga o resultado de umapesquisa realizada com professores e alunos de quatro colégios da rede pública e particular de São Paulo, sobre como tem sido e como vem sendo a prática de ensino de leitura e literatura no Ensino Médio. Destacamos desse trabalho o seguinte relato: “Os professores de literatura entrevistados mostram-se, na maioria, premidos pela sombra do “fantasma” do exame vestibular. Definem as leituras extraclasse a partir da lista de obras solicitadas pelos exames; elaboram provas a partir de questões de vestibulares antigos, mostram-se insatisfeitos com o tempo de que dispõem para administrar um vasto conteúdo; sentem-se cobrados por toda a comunidade escolar. Por força desses elementos, por vezes formulam provas com questões exclusivas de exames vestibulares, distanciando a avaliação de suas práticas concretas de ensino”.
Esse cenário é o mesmo não só em São Paulo, mas em todo o país, uma vez que no Ensino Médio atualmente o núcleo da disciplina Literatura tem como referência o conjunto de obras recomendado pelas comissões que presidem os exames de vestibular das nossas Universidades. Se ainda existe Literatura no Ensino Médio, sobretudo na última série, deve-se a uma exigência do vestibular, fato constatado por Regina Zilberman ainda no século passado ao afirmar: “o vestibular de cujo programa invariavelmente a literatura faz parte, converte-se no limite e na razão de ser de seu ensino, sendo também o vestibular que determina a perspectiva com que a literatura é estudada”.
No passado não discutíamos tanto quanto hoje questões de natureza pedagógica que suscitam perguntas do tipo: Como devo motivar o aluno a ler? Que métodos de ensino devo adotar em sala de aula, para que meus alunos se interessem mais por Literatura, uma vez que é difícil competir com outros meios de comunicação mais atrativos? Como enfrentar o desprestígio da Literatura em relação a outras disciplinas, consideradas de maior importância para o vestibulando? Como diversificar a forma de abordagem do texto literário? Por que os alunos que concluem o Ensino Médio apresentam baixo rendimento no âmbito da leitura? Essas são algumas dentre outras perguntas com as quais nos defrontamos no dia-a-dia escolar. O fato é que professores, associações de escritores e demais estudiosos do assunto mostram-se preocupados e em busca de novos rumos metodológicos para o ensino de Literatura. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação, PCNs, documentos que orientam o ensino brasileiro, nenhuma contribuição trouxeram para orientar as práticas didáticas de Literatura no Ensino Médio. Cereja, referindo-se aos PCNs, afirma: “a insatisfação dos professores em relação aos PCNEM tornou-se quase uma unanimidade. Primeiramente, por conta da insuficiência teórica e prática do documento; em segundo lugar, porque faz críticas ao ensino de gramática e de literatura sem deixar claro como substituir antigas práticas escolares por outras, em consonância com as novas propostas de ensino; em terceiro lugar, porque, na opinião de muitos professores, a literatura conteúdo considerado a “novidade” no âmbito da disciplina no ensino médio – ganhou um papel de pouco destaque no documento, isto é, o papel de ser apenas mais uma entre as linguagem que se incluem na área de “Linguagens, Códigos e suas Tecnologias”: língua estrangeira, educação física, educação artística e informática”. (CEREJA, 2005, p.114)
Enquanto não chegam as soluções e as respostas que esperamos, cabe ao professor buscar alternativas como as sugeridas por Ivanda Martins, no texto “A literatura no ensino médio: quais os desafios do professor?
Para a autora, é fundamental que a literatura seja abordada na escola com base nas contribuições da Teoria Literária, que facilitam a interação do leitor com o texto literário. Citando Beach & Marshall, alerta para a necessidade de se distinguir leitura da literatura, relacionada à compreensão do texto e ao conhecimento prévio do leitor, de ensino da literatura, voltado para o estudo da obra literária, com base na sua organização estética. Aconselha que se promova uma articulação entre esses dois níveis dialogicamente relacionados. Partindo dessa perspectiva sugere abordar a literatura tendo em vista as noções de intertextualidade (cruzamento de textos), interdisciplinaridade (articulação do texto com outras disciplinas), Intersemiose (inter-relação de diferentes códigos semióticos) e transversalidade (artuculação do texto com temas transversais, propostos inclusive pelos PCNs: ética, saúde, orientação sexual, trabalho e consumo, meio ambiente e pluralidade cultural).
O professor de Literatura do Ensino Médio tem ainda pela frente muitos desafios. No contexto atual, marcado pela cibercultura, sua oportunidade de acesso aos mais sofisticados recursos eletrônicos e hipermidiáticos são inumeráveis. A literatura digital está na rede à espera de leitores navegantes. Já existem vários experimentos em hiperfificção. Há um conto “A d@m@ de espadas” que os convido para ler no site http://www.facom.ufba.br/dama/index.htm, de autoria do Prof. Marcos Palácios da Faculdade de Comunicação. Observem as instruções do autor: “a história é navegável a partir de um Mapa. Todos os elementos do Mapa são clicáveis e são links para textos ou sites. Todos os gráficos, fotos e ilustrações nos textos são também clicáveis. Palavras em destaque nos textos são links para outros textos. Para voltar ao Mapa ou à tela anterior clique no Labirinto. Não há uma ordem de navegação, cada leitor estabelece sua rota. Em caso de pane ou pânico use o Retorno de seu Browser.”
O contato com a hiperficção seria um ponto de partida também para compreender textos produzidos na forma de hipertexto e que não estão na Internet, como O Jogo de Amarelinha, de Júlio Cortazar (1966), Se numa noite de inverno um viajante...(1981), de Italo Calvino e O jardim de veredas que se bifurcam (1941) de Jorge Luiz Borges. Há um artigo do prof. Luiz Antônio Marcuschi, “O hipertexto como um novo espaço de escrita em sala de aula” que recomendo para os iniciantes no assunto.
Maria Rosa Oliveira & Samira Chalhub apontam a relação professor / aluno como extremamente importante para o ensino de literatura, pois ela constitui a mola propulsora “por onde perpassa uma leitura de mundo: o olho do mestre, a visão do aluno. E constatam a existência de um ensino provisório, que tem por objetivo ajudar o educando para seu ingresso na Universidade e de um ensino desafio, que visa a educar a sensibilidade criativa do aluno. O ensino provisório satisfaz a ideologia do sistema, à instãncia curricular apenas, enquanto que na segunda hipótese estaria o professor adotando uma atitude de crítica e de paixão, se o material que seleciona responde aos apelos da modernidade, como consciência de linguagem que requer de quem ensina o domínio de um repertório cultural-associativo, interdisciplinar, capaz de promover na sala de aula um diálogo com outros códigos, como a música, a pintura, o cinema, a linguagem publicitária, a televisão, o teatro etc.
Finalmente quero concluir com um conselho de Rubem Alves: o magistério requer do professor que ele atue como o educador que sente no corpo o prazer da sedução pela arte de ensinar. E a arte de seduzir implica trabalhar com conhecimentos rigorosos, pois “o prazer engravida, mas somente o sofrimento faz parir”.
Relato de Experiência: "Antecedentes ou uma história na primeira pessoa", por Betty Coelho
"Há muitos e muitos anos, ainda estagiária do Curso Normal,
tive meu primeiro e memorável contato prático com as crianças.
A
classe, primeira série.
Os
alunos, sessenta.
A
escola, um prédio novo, amplo, num bairro distante, populoso, de nível
sócio-econômico baixo.
Era
dia de eclipse parcial do Sol. As professoras, curiosas, deixaram suas classes
para apreciar de uma varanda o espetáculo. Do longo corredor já se ouvia a
algazarra das crianças. Quando entrei na ‘’minha sala’’, os tamancos
cruzavam-se no ar. As crianças pararam um instante para ver-me e, em seguida,
recomeçaram.
Não
lhes devo ter causado nenhuma impressão de ‘’autoridade’’, com meu uniforme
azul e branco de normalista, eu própria apenas mais crescida que elas.
Tentei
lembrar os ensinamentos dos professores de Didática. Que fazer numa situação
dessa? De certo, haviam esquecido de me dizer. Toda teoria tão bem estudada não
se enquadrava ali, naquele instante. Num relance, a intuição: vou contar uma
história. E comecei:
-
Era uma vez um macaquinho que passou em frente de uma barbearia e viu um homem
fazendo a barba.
-
Barbeiro, corte meu rabo!
Risos. E o
silêncio se fez, interrompido somente para cantarmos juntos:
-
Barbeiro, me dê meu rabo, o rabo que Deus me deu...
Quando a
professora da classe retornou (contou-me depois), tomou um susto ao perceber o
silêncio em sua sala.
-
Será que meus alunos foram embora?
Estavam
entretidos e conquistados.
Aprendi a
primeira lição de magistério: ouvir histórias e cantar são coisas de que as
crianças gostam muito.
Daí por
diante, não parei de aprender comas crianças, observando-lhes as reações,
interpretando suas atitudes e refletindo sobre isso. Contar histórias ficou
sendo minha atividade predileta.
Cada vez que
conto histórias a um grupo novo, penso já haver esgotado minha experiência de
contadora de histórias. No entanto, eis-me agora a esboçar um livro sobre a
arte de contá-las."
Relato de Experiência, por Adriana Pinto Soares
O desafio maior com um aluno com psicose era a dificuldade de comunicação com ele. Uma turma bem numerosa, de 26 alunos, não me dava condições de passar o tempo individualizado que eu pretendia e gostaria com ele, para aprender com ele. Ele oralizava muito, mas sem que a gente conseguisse compreender. Ele tinha uma linguagem, mas incompreensível para o professor. E isso me angustiava muito, porque eu queria ouvi-lo para poder responder. Esse foi um fator que pesou bastante no início. E só com o tempo. O que eu procurei fazer: passar o máximo de tempo possível com ele. Até no recreio, no tempo do refeitório, eu ficava sempre com ele e tentava absorver ao máximo, quando ele estivesse com os alimentos, a forma com que ele falava, se comunicava, para eu poder aprender um pouco com ele e melhorar nossa comunicação. Esse foi um desafio grande inicial.
Relato de Experiência, por Ana Caroline dos Santos
Relato de Experiência: "Como
foi o ensino de Língua
Portuguesa no
Ensino Médio?", por Suelen Oliveira de Brito
" Não é fácil responder a
essa pergunta deixando os julgamentos de lado, mas ao adentrarmos no ensino de
língua portuguesa somos levados a uma discussão maior, que é a problemática do
ensino como um todo e não se língua portuguesa.
Ao voltar o olhar para o Ensino Médio e mais
especificamente para a aula de língua portuguesa, eu vejo uma professora muito
dedicada e que realmente pensava no aluno.
A
professora F. tentava nos ajudar a maneira que podia, chegando ao ponto de nos
dar seus próprios livros para lermos em casa, já que a escola não tinha
biblioteca.
Percebo
também que F. tentava nos dá aula de Literatura, mas como não tinha tempo não
se pautava na leitura de obras, apenas indicava algumas.
Em alguns momentos, eu lembro que poemas
serviam para o estudo da gramática, a medida em que substantivos, adjetivos,
advérbios e outros deviam ser identificados em tais textos.
Recordo que tudo nos era passado com
paciência, nos explicava quantas vezes fossem necessárias, mas percebo que
muito nos faltou, pois como ela mesma me diz muito do que estou estudando ela
não viu no curso, o qual ela fez nessa mesma instituição.
Algo
que não esqueço, foi disponibilidade de me trazer para fazer o PSS (Processo
Seletivo Seriado), algo que não era sua obrigação, mas como eu não sabia o
local, não tinha quem me trouxesse e ela viu meu interesse, me ajudou. Isso foi
além de sua função como professora, e atitudes com essas, creio que não se
explicaria, a não ser pelo amor que tem
à profissão e pelo curso que fez, já que diz que se tivesse a oportunidade,
aliás, idade o faria novamente."
Relato de Experiência, por Rui Amaral Dias de
Oliveira
Minha experiência escolar me faz refletir que o estudo da gramática não é o principal,
e sim ser um leitor assíduo, o que nunca deixei de ser. Minha primeira leitura de romance foi
indicada pelo professor de Português da 6ª série do 1º Grau, não como trabalho escolar, mas
como simples leitura. O romance foi “O Menino do Engenho”, de José Lins do Rego, cuja
personagem central coincidia em idade com a minha na época da leitura. Desde então, tornei-
me um leitor apaixonado por literatura. Não me oponho a quem gosta de gramática, mas
acho que formar um leitor é muito mais importante para a escola do que ensinar gramática
de uma maneira forçosa.
(...) abrir mais espaço nas aulas de Português para a literatura, a interpretação e a produção
de textos parece ser mais lógico do que exigir conhecimentos de gramática de quem não
domina gêneros textuais nos quais a língua acontece."
Relato de Experiência, por Adriana Pinto Soares
A Educação é sem dúvida uma prática misteriosa, onde muitas vezes planejamos uma trajetória e em meio a ela, vemos nossos caminhos se bifurcando em direção às diversas necessidades de aprendizagem das nossas crianças. E por mais que nos autonomeamos condutores, são elas, as nossas crianças, que nos mostram verdadeiramente como devemos ir e onde precisamos chegar...
Leciono atualmente na escola municipal de uma pequena cidade do interior de São Paulo. Minha turma de 3º ano é pequena, são 15 alunos, mas muito diversificada pedagogicamente e com relação à faixa etária.
Em fevereiro, ao saber que haveria em minha turma duas crianças com deficiência auditiva em fase inicial de alfabetização, resolvi planejar um projeto de Libras, com uma sequência didática que pudesse apresentar a linguagem de sinais à todas as crianças, iniciando um processo de bilinguismo e despertando a classe para uma inclusão efetiva dessas duas crianças.
Optei por não privar a classe de um conhecimento que seria utilizado durante o ano pela necessidade especial de comunicação dos dois alunos. A comunicação, é um fator de extrema relevância no processo de aprendizagem, sem a qual as dificuldades na alfabetização se tornam muito mais complexas. A finalidade de um intérprete de Libras em uma sala regular de alfabetização como a minha, seria vaga, porque as duas crianças, apesar de frequentarem uma escola especializada para estudantes com deficiência auditiva no contraturno, não eram fluentes, e nem sequer dominavam o alfabeto dactológico ainda. Apesar da pouca experiência com a linguagem de sinais (fiz um curso básico e dei aulas durante um ano para turmas regulares), percebi que era possível introduzir a noção básica de Libras, considerando que eu não era uma especialista em nenhuma das disciplinas que eu lecionava (matemática, história, geografia...), mas o tempo e algumas importantes experiências pedagógicas me fizeram especialista em apresentar caminhos, impulsionar voos, semear idéias...
No bilinguismo, existe a presença da Libras e da Língua Portuguesa como vias de comunicação verbal e não-verbal. Alguns surdos conseguem desenvolver a oralidade, dependendo do resíduo auditivo, do uso precoce de bons aparelhos e da estimulação para a fala. Mas ainda assim, a língua de sinais é extremamente importante, garantindo a comunicação entre aqueles que por motivos físicos não conseguem falar ou ouvir. Se as pessoas sem nenhuma deficiência auditiva, aprenderem a Libras, estarão dando oportunidade de estudo, de trabalho e de relação social para aqueles considerados surdos, pois haverá comunicação de uma forma mais completa entre eles nos bancos, mercados, eventos públicos, lojas. A ausência de comunicação efetiva alimenta a segregação.
A criança não aceita se comunicar o tempo inteiro através da interferência constante de um adulto e nessa idade está na escola não apenas para aprender conteúdos, mas para desenvolver-se a partir da socialização com as outras pessoas. Garantir a comunicação entre todos é garantir o desenvolvimento emocional, psicológico e social também. Alguns surdos desenvolvem dialetos específicos com a família ou com a comunidade na qual estão inseridos, mas isso também restringe as pessoas com as quais pode estabelecer comunicação. O ideal é utilizar uma linguagem universal, como a Libras, que amplia suas possibilidades. Neste projeto, fui mediadora de um processo de encantamento pelas linguagens e pela necessidade comum do ser humano de se socializar e se sentir parte do grupo.
No começo houve muitos desafios. O primeiro, e acho que mais difícil, foi convencer as pessoas da importância social do projeto para todos os alunos e a da relevância pedagógica para os alunos com deficiência auditiva. A coordenação e a direção apoiaram. O AEE promove atividades de Libras durante os atendimentos individuais das crianças com deficiência auditiva e também atividades lúdicas (jogos) que desenvolvem a criança para aprendizagem da língua portuguesa (alfabetização). Com relação ao projeto de Libras, elaboro a produção das atividades e jogos junto com a professora auxiliar, assim busco imagens na internet para que eu possa fazer a associação com a escrita, plastifico alfabetos manuais móveis, destino material de apoio como os dicionários em libras para que eu planeje as aulas com eficiência.
Outro grande desafio era me tornar apta a ensinar Libras, uma vez que não sou uma especialista pós-graduada no assunto. Mas não foi difícil ir buscando orientações profissionais através de recursos pessoais e didáticos. Abusei do lúdico, da interatividade, da criatividade e dos aspectos visuais. Meus maiores trunfos? Estudo e planejamento. Eu também ganhei asas e sei que não há limites para o professor que acata a sua missão de abrir caminhos para todos que chegarem até suas mãos...
Relato de Experiência, por Adriangella Bonetti
O desafio maior com um aluno com psicose era a dificuldade de comunicação com ele. Uma turma bem numerosa, de 26 alunos, não me dava condições de passar o tempo individualizado que eu pretendia e gostaria com ele, para aprender com ele. Ele oralizava muito, mas sem que a gente conseguisse compreender. Ele tinha uma linguagem, mas incompreensível para o professor. E isso me angustiava muito, porque eu queria ouvi-lo para poder responder. Esse foi um fator que pesou bastante no início. E só com o tempo. O que eu procurei fazer: passar o máximo de tempo possível com ele. Até no recreio, no tempo do refeitório, eu ficava sempre com ele e tentava absorver ao máximo, quando ele estivesse com os alimentos, a forma com que ele falava, se comunicava, para eu poder aprender um pouco com ele e melhorar nossa comunicação. Esse foi um desafio grande inicial.
Só depois da metade do ano é que eu consegui travar um diálogo com ele. Por observar suas manifestações na sala de aula, no trato com os outros alunos. E eu fui conseguindo trabalhar de forma mais tranquila, porque até então eu tinha aquela preocupação: como eu vou me comunicar com ele? Como eu vou saber o que ele me diz e se ele me entende?
A própria metodologia me fazia ver que ele tinha a plena compreensão dos fatos. Na hora do recreio, as brincadeiras, o jogo de bola, quando eles brigavam até, ele tinha a compreensão de tudo. Ele só não conseguia se fazer entender pela oralidade.
E eu não encontrava uma forma mais prática e ágil de resolver, só mesmo com a convivência, com o tempo isso foi se tornando mais ameno. No final do ano já estava bem mais tranquilo.
Relato de Experiência, por Ana Caroline dos Santos
"Sou psicopedagoga, e trabalho com três
adolescentes, um com deficiência visual, outra com retardo mental severo e
outro com hiperatividade e deficit de atenção. Gosto muito do que faço, apesar
das dificuldades relacionadas a materiais pedagógicos que atendam essas
necessidades e principalmente, quando se fala de Ensino Médio.
Na escola onde trabalho, todos participam e
colaboram para o desenvolvimento de todos alunos que são do atendimento
educacional especializado (31 alunos), realizamos festas com apresentações
feitas por eles. O aluno que acompanho que possui deficiência visual é um
artista. Primeiro porque sua deficiência não atrapalha em nada no seu
desenvolvimento escolar, ele é apaixonado por música. Então, sempre que tem um
tempo livre, ele edita músicas no computador da escola que utiliza o
programa especifico (Dosvox), toca gaita pra todos os colegas da sala, compõe
músicas e até toca teclado na hora do recreio para os alunos das outras salas.
No início, fiquei um pouco preocupada com algumas
matérias como inglês, já que as palavras têm a escrita diferente da pronúncia,
e a geografia com gráficos e mapas, mas juntos com os professores dessas
disciplinas, encontramos soluções como: mapas digitalizados, onde o próprio
programa lê os dados e músicas em inglês. O aluno ouve, canta e pesquisa a
tradução das palavras. Ele é um adolescente que usa a sua paixão pela música
como uma motivação para ir à escola, e tem dado certo, ele emociona a todos com
sua alegria de saber mais a cada dia."
Relato de Experiência, por autora desconhecida
Projetos escolares:
oportunidade ímpar para a manifestação de habilidades e competências
próprias.
"A
estudante A tem Síndrome de Down e está matriculada em uma turma de 3º ano
do ensino fundamental na EMEF, no município de Guaporé/RS. Na turma há 26
alunos e dois professores para atendê-los, sendo um titular e um de apoio.
Prioriza-se, na
turma, o ensino cooperativo,
por meio do qual os alunos auxiliam-se nas dificuldades e motivam-se na
socialização de habilidades e competências próprias. O professor é um
instigador, um facilitador, um provocador e mediador das aprendizagens. A
construção do conhecimento é do aluno. A estudante A possui
a capacidade cognitiva reduzida, o que é característico nas pessoas com
Síndrome de Down, e também apresenta certa tendência ao isolamento, o que
possivelmente se dá em razão da estudante A possuir uma hipersensibilidade auditiva.
Sendo assim, a sala de aula precisa ser um espaço sensível, amistoso,
acolhedor, interativo, concreto e dinâmico, com manifestações diversas de
conhecimento e a presença marcante de qualidades humanas como o desejo sincero
de ver também o outro progredir. Nesse sentido, a pedagogia de projetos é uma
prática apropriada à educação inclusiva.
No mês de abril de 2012, na
turma já referida, foi realizado o lançamento do projeto: “Exercendo a
Cidadania a partir da Sala de Aula”, o qual se estenderá até o final do ano
letivo, com atividades mensais previstas no cronograma. O projeto tem como
objetivo geral: “De forma lúdica, concreta e experimental, conduzir o processo ensino-aprendizagem
dos alunos dos 3ºs anos, garantindo que se apropriem de noções básicas e ao
mesmo tempo fundamentais para o efetivo exercício da cidadania” . Para o
lançamento do projeto, problematizamos as palavras norteadoras: Cooperação,
Participação, Diversidade, União, Atitude, Cidadania, Direitos, Deveres,
Conhecimento e Responsabilidade, de forma muito dinâmica: cada grupo recebeu
uma das palavras e deveria discutir acerca de seu significado, recortar
gravuras que ilustrassem seu conteúdo e por fim apresentar à classe o resultado
desta construção.
A estudante A apoiou seu
grupo selecionando, recortando e colando gravuras, enquanto expressava seu
carinho pelos colegas e sua alegria em participar daquele momento. Não temos
dúvida que a estudante A já está exercendo a cidadania, pois soube tirar
proveito da atividade e das possibilidades que cenário no entorno proporcionou.
A mensagem a seguir, de Gabriel Pensador sintetiza o objetivo de nosso projeto.
"Pensa! O pensamento tem poder. Mas não adianta só pensar. Você também tem
que dizer! Diz! Porque as palavras têm poder. Mas não adianta só dizer. Você
também tem que fazer! Faz! Porque você só vai saber se o final vai ser feliz
depois que tudo acontecer."
É importante mencionar um fator que contribui muito para o
sucesso da estudante A na escola: a presença significativa da
família, a qual não mede esforços para acompanhar a aluna e apoiá-la, mantendo
uma boa e frequente comunicação com as professoras da turma, o que possibilita
compreender com mais facilidade atitudes, gestos e comportamentos da aluna e
assim estreitar os laços de amizade, bem como investir em ações mais
específicas e eficazes no processo de escolarização da estudante A ."
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